Navegantes, Bandeirantes, Diplomatas: Cabral e o Brasil

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Resumo de Navegantes, Bandeirantes, Diplomatas – Cabral e o Brasil, capítulo 4 da obra de Synesio Sampaio Goes Filho. Boa leitura!

4.1 Navegações portuguesas

Se fosse possível fazer um resumo da História Universal em umas poucas centenas de páginas, só alguns países e épocas estariam aí mencionados. Portugal seria um deles, e o período seria o dos descobrimentos, que dura, grosso modo, um século, da tomada de Ceuta, em 1415, por D. João I, à circum‑navegação da Terra por Fernando de Magalhães e Sebastião de Elcano, entre 1519 e 1522.

Na conquista de Ceuta, aparece um dos dois nomes fulcrais do período das grandes descobertas portuguesas: D. Henrique, no futuro chamado “o Navegador”. Sabe‑se, hoje, que não foi um grande navegador; velejou apenas três vezes e não criou a famosa Escola de Sagres, porque esta nunca existiu como tal e não há prova nenhuma de que tivesse juntado um grupo de professores e alunos para estudar e praticar a arte náutica. Dominou o processo de descobrimento até sua morte, em 1460, quando navegadores a seu serviço já tinham ultrapassado os três cabos míticos do noroeste da África (o Bojador, o Branco e o Verde) e se aproximavam do golfo da Guiné. Ao morrer, em 1461, seus direitos reverteram para a coroa. Houve, então, uma relativa paralisação das descobertas.

O futuro D. João II era ainda príncipe herdeiro (de D. Afonso V) quando, em 1474, passou a centralizar a empresa das descobertas. Com a nova liderança, os portugueses vão mais longe, revelando trechos cada vez mais ao sul: Bartolomeu Dias, comandando uma frota de três caravelas, afinal, ultrapassa o cabo da Boa Esperança, em 1487.

D. Henrique e D. João II semearam; agora, com D. Manuel, vem o período da colheita. Com D. Manuel I vêm as Índias, vêm as grandes naus carregadas de especiarias, vem Lisboa como novo centro do comércio oriental.

4.2 O descobridor e o escrivão

Pedro Álvares Cabral não passa à história como grande navegador, passa como mistério. Aos 32 anos, sem experiência no mar ou na terra que explicasse a escolha, aparece como comandante da maior frota até então aprestada por Portugal; terminada a viagem, desaparece totalmente dos anais.

A biografia factual de Cabral resume‑se, pois, a poucas linhas. Nasceu em Belmonte, no norte de Portugal, de uma família com tradição de serviços prestados à Coroa, inclusive como navegantes. Sem razões conhecidas, comanda a primeira frota que Portugal envia à Índia, depois da descoberta do caminho marítimo por Vasco da Gama. Este comandara quatro naus pequenas, com menos de 130 homens; Cabral capitaneava uma armada de treze dos maiores navios da época (dez naus e três caravelas) e cerca de 1.500 homens. O objetivo era estabelecer vínculos comerciais com Calecute, um dos mais prósperos reinos hindus da costa do Malabar.

No caminho, “por acaso” (como dizia a historiografia tradicional) ou “porque procurava” (como querem muitos hoje), encontrou uma grande terra onde parou dez dias. Ao continuar, ainda na viagem de ida, perde quatro navios numa terrível tempestade, não longe do cabo da Boa Esperança. Tem um sucesso relativo ao tentar estabelecer feitorias portuguesas na costa de Malabar, aonde tinha chegado Gama. Volta a Lisboa com apreciável quantidade de especiarias, mas perdera mil homens e sete embarcações. Talvez por esses fatos, ou mais provavelmente por perder a simpatia do rei, sai rápida e discretamente da história, tal como entrara.

Com Caminha passou‑se algo parecido. Pero Vaz de Caminha ia na armada para ser o escrivão da feitoria que se pretendia criar em Calecute (onde morreu por ocasião do primeiro ataque árabe, ainda durante a permanência de Cabral na região).

A carta de Caminha, perdida durante séculos, só foi identificada em 1773, por José Seabra da Silva, Guarda‑mor da Torre do Tombo, e publicada pela primeira vez (expurgada dos trechos eróticos…) pelo Padre Aires do Casal, no livro Corografia Brasílica, de 1817 (antes, a data oficial da descoberta do Brasil era 3 de maio, dia em que a Igreja celebra a invenção da Santa Cruz). O tema central de Caminha é a visão admirativa da terra, boa e fresca, e de seus habitantes, que descreve com interesse e simpatia (uma vez, entretanto, usa a palavra “bárbaro”). Termina a carta dizendo das dimensões amplas da terra achada e de suas prováveis riquezas, lembrando que serve de ponto intermediário da rota que o futuro chamaria de “carreira da Índia”.

4.3 Prioridade, intencionalidade, descobrimento

A descoberta do Brasil tem dado margem a vários problemas cujas soluções estão em aberto: quem chegou primeiro ao Brasil? Cabral estava à procura de terra ou tocou na costa por acaso? Como descobrir algo que já existia? Vejamos.

Antes de tudo, é preciso qualificar bem a prioridade cronológica de navegantes de bandeira espanhola na descoberta da costa norte do Brasil. Não foram, aliás, só eles que teriam chegado ao Brasil antes de Cabral; outros nautas, de outras nacionalidades, possivelmente aportaram em terras brasileiras.

Pedro Álvares Cabral, com sua viagem perfeitamente documentada, não somente pela carta de Caminha, mas também pelas do médico‑astrônomo de bordo, Mestre João, e do chamado “piloto anônimo”, um dos tripulantes da armada, foi quem realmente comprovou que existia uma grande massa terrestre no Atlântico, em frente à África, na parte portuguesa da divisão de Tordesilhas. Isto é, exatamente naquela área que Portugal fizera questão de reservar para si por esse tratado.

Agora a intencionalidade. Tradicionalmente os livros de História do Brasil diziam que a descoberta fora acidental: a esquadra seguia a rota indicada por Vasco da Gama; impelido por correntes ou ventos, tocou por acidente a costa brasileira. Tal tese continua a ter defensores. A maioria dos modernos historiadores do descobrimento do Brasil, como o brasileiro Max Justo Guedes e o português Jorge Couto, pensa diferente.

Se não é provado que os portugueses sabiam que existiam terras onde Cabral encontrou o Brasil, é muito provável que pelo menos desconfiassem disso. Os indícios são vários: por que lutar tanto para ter uma larga parcela do Atlântico, em 1494, quando negociaram Tordesilhas? Afinal, para fazer a “volta larga” não era necessário tanto mar; Vasco da Gama reparou (está no diário de Álvaro Velho, tripulante de sua frota), quando fazia essa volta, que havia sinais de terra a oeste; navegantes espanhóis já haviam chegado à costa norte do Brasil, o que indicava a probabilidade de terras ao sul.

Tratemos, para finalizar este capítulo, dos conceitos “descobrimento”, “achamento”, “encontro de culturas”. Significam coisas diferentes? Vejamos. A expressão encontro de culturas vulgarizou‑se quando da comemoração do quinto centenário da Descoberta da América. Como já havia neste continente antigas culturas, tratou‑se de identificar uma expressão que demonstrasse respeito pelas civilizações autóctones. Achamento e descobrimento têm pequenas variações semânticas, mas nos textos contemporâneos dos descobrimentos a sinonímia mantém‑se com muita frequência. Achamento tem hoje um ar vetusto e o precedente de ter sido usado por Caminha; mas nem por isso justifica fugir sempre da palavra mais comum para descrever a chegada dos europeus ao continente, “descobrimento”. Como mostra a formação do vocábulo original, “descobrir” é simplesmente tirar a coberta (de algo que obviamente tem uma existência prévia).

Em resumo, é com o desembarque bem documentado de Cabral em Porto Seguro que nasce o Brasil. Desde que chegaram, os portugueses se misturaram com índias e, depois, negras. Só no final do século XIX vieram em quantidades ponderáveis outros povos, todos também construtores da sociedade nacional brasileira. Aportes de muitas nações e raças, principalmente a negra; mas a matriz cultural continua portuguesa.

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Bibliografia:

GOES FILHO, Synesio Sampaio. Navegantes, bandeirantes, diplomatas: um ensaio sobre a formação das fronteiras do Brasil. Brasília: FUNAG, 2015.

Agradecemos à Patrícia Derolle, do E-Internacionalista, pela dica.

A íntegra da obra pode ser acessada aqui.

Rolf Amaro

Nascido em 83, formado em Ciências Sociais, músico, sempre ando com um livro na mão. E a Ana,minha senhora, na outra.

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