Resumo de Navegantes Bandeirantes Diplomatas – Rio da Prata – A Fronteira Desejada, capítulo 6 da obra de Synesio Sampaio Goes Filho. Boa leitura!
…
6.1 Portugueses e espanhóis na boca do Prata
O rio da Prata foi descoberto por portugueses e ocupado por espanhóis. Em 1514, a armada comandada por Estevão Fróis e João de Lisboa (organizada em Lisboa) chegou à foz do Prata, donde teriam levado a seu rei o machado desse metal que deu ao rio seu nome definitivo.
Nos anos seguintes, houve outras expedições espanholas e portuguesas a explorar o grande rio do sul. Fatos e lendas de uma serra de prata e a possibilidade de o rio ser o caminho para se chegar a ela continuavam a inflamar as mentes. O fato de os portugueses não terem estabelecido aí nenhuma feitoria e de, ao dividirem o Brasil em capitanias em 1534, terem limitado a mais sulina delas na latitude de 28º, isto é, na altura da ilha de Santa Catarina, é interpretado por alguns autores como o reconhecimento da soberania espanhola na região do Prata.
O ADELANTADO (sistema em que a Coroa fazia um acordo com um particular que tinha meios para se instalar e se defender em algumas regiões e em troca dava‑lhe o governo destas) Pedro de Mendoza funda Buenos Aires, originalmente Nuestra Señora del Buen Aire, em 1536. Buenos Aires não sobreviveu por muitos anos e foi abandonada em 1541. De Assunção partiu a expedição de Juan Garay que, em 1580, repovoou a cidade que, algumas décadas depois, iria assumir a liderança espanhola na área.
6.2 A colônia da discórdia
O litoral que ia de Cananeia, em São Paulo, ao rio da Prata, em meados do século XVII, não estava ocupado em termos permanentes nem por portugueses, nem por espanhóis. A vontade de chegar ao Prata era grande em Lisboa e no Rio de Janeiro.
Por várias razões, o Governo português tinha decidido pouco antes de 1680 fundar um estabelecimento na margem norte do grande rio: ocupar uma área livre − toda a margem esquerda do Prata − e concorrer com os lucros do próspero contrabando efetuado por portugueses em Buenos Aires parecem ter sido os alvos imediatos; criar condições para eventual conquista de Buenos Aires seria o objetivo mais remoto. O mau tempo impediu que fosse o Governador do Rio de Janeiro, Jorge Soares, em 1678, o autor dessa façanha. Enquanto a expedição de Jorge Soares enfrentava percalços, chegou ao Rio de Janeiro Manuel Lobo, novo Governador‑Geral, com instruções de preparar uma armada ainda mais poderosa para ir ao Prata. Portugal acreditava que a foz do Prata estava dentro de sua metade tordesilhana.
A armada de D. Manuel Lobo, em janeiro de 1680, desembarcou quase em frente a Buenos Aires, com cerca de quatrocentas pessoas em cinco embarcações e deu início às primeiras construções da Nova Colônia do Santíssimo Sacramento. Imediatamente perceberam os espanhóis de Buenos Aires a chegada dos portugueses. Infrutíferas as tentativas de desalojá‑los por bem, atacaram‑nos finalmente em agosto e, após um cerco de 23 dias, tomaram o povoado nascente, fazendo mortos e prisioneiros (entre estes, o governador Manuel Lobo).
Foi a primeira ocupação espanhola da Colônia. Portugal protesta e obtém a restituição da praça, em 1681. Em 1704 ocorreu o segundo ataque e a segunda vitória dos espanhóis de Buenos Aires, desta vez após um cerco de cinco meses. A permanência castelhana durou até 1715, quando o TRATADO DE UTRECHT mandou restituir pela segunda vez “o território e a colônia” à soberania lusa. As autoridades espanholas de Buenos Aires interpretaram a expressão apenas como a área coberta por um tiro de canhão, disparado da fortaleza, diferentemente das portuguesas, que acreditavam que o território da Colônia deveria incluir todas as terras situadas entre a margem esquerda do rio Uruguai e o litoral, isto é, toda a chamada Banda Oriental (o atual Uruguai).
Os portugueses, em 1723, tentaram de fortificar‑se no sítio próximo, chamado Montevidéu, por sua situação privilegiada para o domínio da região e por ser um passo importante na ligação terrestre Colônia‑Laguna. Estabeleceram‑se nesse ponto, mas meses depois tiveram de abandoná‑lo. Os espanhóis não demoraram em ocupá‑lo, fundando definitivamente a cidade do mesmo nome, em 1726. Esta foi‑se firmando como o núcleo da futura nação uruguaia e, pouco a pouco, foi isolando Colônia do resto do Brasil.
Tropas de Buenos Aires tentaram em 1735 tomar pela terceira vez Colônia, mas esta não cedeu ao cerco, que durou vinte e três meses. Falhando a ocupação de Montevidéu, os portugueses estabeleceram‑se mais ao norte, o escoadouro da lagoa dos Patos. Desta vez vieram para ficar, com a fundação de Rio Grande de São Pedro (hoje apenas Rio Grande), em 1737, origem do Estado do Rio Grande do Sul.
O próximo passo é a assinatura do TRATADO DE MADRI, em 1750, pelo qual Portugal trocou a Colônia do Sacramento pelos Sete Povos (o oeste do Rio Grande do Sul) e legalizou a posse das grandes áreas ocupadas, o Centro‑Oeste e o Norte na atual divisão regional do Brasil. Mas as divergências não cessaram. Portugal não entregou Colônia porque não se pode, com a guerra guaranítica, pacificar os Sete Povos. Em 1762, os espanhóis tomam pela terceira vez Colônia, para restituí‑la também pela terceira vez, no ano seguinte, conforme prescrevia o TRATADO DE PARIS. Em 1776, retomam (a quarta vez!) Colônia, ocupam a ilha de Santa Catarina e a parte sul do atual Estado do Rio Grande do Sul, inclusive a povoação de Rio Grande. O TRATADO DE SANTO ILDEFONSO atribuirá não só Colônia, mas também os Sete Povos à Espanha e que, em 1801, tropas gaúchas reconquistarão os Sete Povos; já no Império, haverá, entre 1821 e 1828, a chamada “Província Cisplatina”, mas a independência do Uruguai, nesse último ano, acabará definitivamente com as ilusões lusas da fronteira natural do Prata.
Bibliografia:
GOES FILHO, Synesio Sampaio. Navegantes, bandeirantes, diplomatas: um ensaio sobre a formação das fronteiras do Brasil. Brasília: FUNAG, 2015.
Agradecemos à Patrícia Derolle, do E-Internacionalista, pela dica.
A íntegra da obra pode ser acessada aqui.