Resumo de Navegantes, Bandeirantes, Diplomatas – As Fronteiras do Império, capítulo 10 da obra de Synesio Sampaio Goes Filho. Boa leitura!
…
10.1 Incertezas amazônicas
Por volta de 1850, no campo internacional, o período que se iniciava viu o aparecimento de uma política de fronteiras que desembocou nos tratados de limites amazônicos do Império. Liberadas as nações hispano‑americanas do vínculo colonial, entre 1811 e 1824, teve o recém‑instaurado Império do Brasil dificuldade em identificar qual era, em cada trecho da fronteira amazônica, o seu vizinho.
Era incerta, entre as novas repúblicas, a soberania sobre aquelas terras longínquas. Além de tudo, os tratados de limites coloniais eram imprecisos. O Império estava inseguro sobre a validade do último tratado de limite entre Portugal e Espanha, o de Santo Ildefonso.
10.2 O uti possidetis
Não havendo, pois, nenhum tratado em vigor sobre fronteiras, foi preciso para estabelecê‑las recorrer‑se a algum princípio regulador: o que se encontrou foi o UTI POSSIDETIS, que determina que cada parte fique com o que possui no terreno. A Duarte da Ponte Ribeiro, Barão da Ponte Ribeiro, cabe à primazia de ter aconselhado, no Império, o uso dessa regra para resolver nossos problemas de limites, em 1837.
10.4 O tratado de 1851 com o Peru
As fronteiras do Brasil com o Peru são as mais distantes da costa atlântica. A linha chega a estar a menos de 500 quilômetros do Pacífico e a mais de 4.300 do Atlântico. Os Tratados de Madri e de Santo Ildefonso, fiéis ao princípio dos limites naturais, estabeleciam nesse trecho uma fronteira totalmente fluvial, os rios Javari, Solimões e Japurá. Nos cem anos que se passaram entre o Tratado de Madri e a assinatura, em 1851, do tratado de limites com o Peru, luso‑brasileiros pouco a pouco foram ocupando pontos na margem norte do Solimões, inclusive no trecho que seria espanhol pelos tratados coloniais.
A ordem nesse caos que separava o Peru e o Brasil independentes foi realizada com o tratado de 23 de outubro de 1851, o primeiro assinado e ratificado pelo Império e um país amazônico, cujo título oficial é “Convenção Especial de Comércio, Navegação Fluvial, Extradição e Limites”. Apresenta, entretanto, características notáveis: a) estabeleceu o padrão pelo qual todos os outros tratados de limites com as nações amazônicas seriam negociados, introduzindo a praxe de trocar facilidades de navegação pelo rio Amazonas, a porta de saída de toda a bacia, por vantagens territoriais; b) adotou pela primeira vez na região o princípio do “uti possidetis” para o estabelecimento dos limites bilaterais; c) estabeleceu a prática de se negociar apenas com uma república de cada vez, embora houvesse sempre mais de uma disputando a soberania sobre a região delimitada; d) incorporou ao Brasil uma área de aproximadamente 76.500 km2 (os territórios somados da Paraíba e de Sergipe).
10.5 O tratado de 1859 com a Venezuela; negociações com a Colômbia
É prático, no Império, tratar conjuntamente do estabelecimento dos limites do Brasil com a Colômbia e com a Venezuela: primeiro porque o tema começou a ser veiculado quando ambas as unidades integravam a Grã‑Colômbia; segundo porque, ao se separarem, ficaram indefinidos os limites entre as duas nações na Amazônia. Os tratados de Madri e de Santo Ildefonso eram particularmente vagos na região ao norte do rio Amazonas.
Em 1859, o Brasil celebrou com a Venezuela um tratado de limites e navegação fluvial, que reconhecia as posses portuguesas no alto rio Negro (o Forte de São Carlos ficou, entretanto, em região venezuelana). O Governo colombiano protestou, alegando que ele dividia terras colombianas, na região do Negro. Era já a rotina de protestos de nações vizinhas pelo fato de que se julgavam com direitos sobre a área limitada. O Brasil seguia a regra geral de negociar com o vizinho que tinha a posse efetiva da região; frequentemente informava o outro país interessado de que respeitaria seus eventuais direitos à área, se e quando fossem estes reconhecidos por negociação direta ou arbitragem.
O acordo com a Colômbia só foi conseguido na República, com Rio Branco, em 1907.
10.6 O tratado de 1867 com a Bolívia
Em 1837, Duarte da Ponte Ribeiro já se esforçava por determinar nossos limites bolivianos. Em 1860, Rego Monteiro, Ministro do Brasil em La Paz, propunha novo tratado de limites, aceito sete anos depois, com a assinatura do Tratado de Amizade, Limites, Navegação, Comércio e Extradição, conhecido na Bolívia por “Tratado de La Paz de Ayacucho”. Sendo este o derradeiro tratado de limites amazônicos assinado no Império.
10.8 A Banda Oriental; a Cisplatina; o Uruguai e as fronteiras de 1851
O Príncipe Regente (D. João VI, em 1816), no Brasil depois de 1808, gostaria que seu império americano incorporasse a Banda Oriental e tivesse, por consequente, a fronteira sul no rio da Prata.
Em novembro de 1816, o general português Carlos Frederico Lecor (futuro Visconde de Laguna), com um forte exército de 6 mil homens, invadiu o Uruguai, tomando Montevidéu em 20 de janeiro de 1817. A região foi sendo pouco a pouco incorporada ao Império, conservando as fronteiras tradicionais, com as quais preservava‑se a ocupação brasileira dos Sete Povos. Um Congresso uruguaio reunido em Montevidéu em 18 de julho de 1821 adota a resolução de incorporar a Banda Oriental do Uruguai, a partir de então chamada Província Cisplatina, à monarquia portuguesa. Chegava‑se, enfim, à desejada fronteira natural do Prata; mas não por muito tempo.
Em julho de 1825, provindos da Argentina, desembarca perto de Colónia a expedição de Juan Antonio Lavaleja. Em agosto, houve o Congresso de Florida, que votou pela incorporação de Montevidéu às Províncias Unidas, e o subsequente ato de aceitação de Buenos Aires. Pressionado pelos fatos, D. Pedro I assina em 1° de dezembro a declaração de guerra. Mais porque ambos países estavam com dificuldades políticas internas e economicamente exauridos, começaram as negociações para uma trégua. Com a intervenção britânica, em 27 de agosto de 1828, por uma Convenção Preliminar de Paz, Brasil e Argentina reconhecem a independência do Uruguai.
Em 1851, no Rio de Janeiro se assinara um tratado com o Uruguai, que conservava basicamente entre os dois países os limites da província Cisplatina. Precisava‑se no seu texto que a lagoa Mirim seria de uso exclusivo dos brasileiros, isto é, não compartilhada pelos dois estados ribeirinhos.
10.10 Guerra e limites: Paraguai − 1864‑1870
Vejamos agora a situação paraguaia. O país era uma das nações mais fechadas do continente: não participava do jogo político do Prata. Quando o terceiro ditador, Francisco Solano Lopez (filho do anterior, Carlos Antonio Lopez), quis participar mais ativamente, aproveitando o trunfo de seu magnífico exército (61 mil homens, enquanto o Brasil tinha 18 mil), provocou a maior guerra da América do Sul e a quase destruição de sua pátria.
Vejamos a origem da questão fronteiriça entre o Brasil e o Paraguai. Terminada a guerra, contrariando disposições do Tratado da Tríplice Aliança, o Brasil resolveu fazer uma paz em separado, em 1872, e fixar definitivamente sua fronteira com o Paraguai. A linha de limites começa na região das Sete Quedas, no rio Iguassu, prossegue pelas serras do Amambai e Maracaju e termina no rio Apa, que deságua no Paraguai. Mais próxima, pois, das reivindicações brasileiras.
A fronteira com o Paraguai (1872) foi a última estabelecida no Império. O período já havia visto sucessivos diplomatas negociarem bons acordos com o Uruguai (1851), o Peru (1851), a Venezuela (1859) e a Bolívia (1867). Quase sempre tínhamos a vantagem da ocupação e, depois, existia uma doutrina bem articulada: a do uti possidetis, associado à validade apenas ocasional de Santo Ildefonso. Apesar de bem encaminhados, persistiam, no entanto, problemas, para dar alguns exemplos, com a Argentina, a Guiana Francesa e a Colômbia, que aguardariam a República para serem resolvidos. De uma maneira geral, pode‑se dizer que os Gabinetes imperiais desenvolveram uma política de limites coerente, persistente e bem‑sucedida; elogiada, vimos, até por seus naturais adversários.
Bibliografia:
GOES FILHO, Synesio Sampaio. Navegantes, bandeirantes, diplomatas: um ensaio sobre a formação das fronteiras do Brasil. Brasília: FUNAG, 2015.
Agradecemos à Patrícia Derolle, do E-Internacionalista, pela dica.
A íntegra da obra pode ser acessada aqui.